segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Sempre renuncias, Bento... - por Daniel , um jovem espanhol




A verdadeira causa da renúncia do Papa




Tenho 23 anos e ainda não entendo muitas coisas. E muitas coisas não podemos mesmo entender às oito horas da manhã quando te acordam para dizer: “Daniel, o Papa renunciou”.  Eu apressadamente contestei: “Renunciou?”.  A resposta não deixava dúvidas, “Renunciou Daniel, o Papa renunciou!”.

O Papa renunciou.  Assim que o dia amanheceu, o fato foi anunciado em todos os meios de comunicação, e rapidamente muitos perderam a fé e outros muitos a reforçaram. Poucas pessoas entendem o que é renunciar.
Eu sou católico, um de muitos. Destes que durante a infância foi levado à missa, cresceu e criou apatia. Em algum ponto ao longo da estrada deixei para lá toda a minha crença e a minha fé na Igreja, mas a Igreja não depende de mim para seguir, nem de ninguém (nem do Papa). Em algum ponto de minha vida, voltei a cuidar da minha parte espiritual e assim, de repente e simplesmente, prossegui em um caminho e hoje digo: Sou católico. Um de muitos, mas católico. 

Desde um doutor em teologia até um analfabeto em escrituras, o que todo mundo sabe é que o Papa é o Papa. Odiado, amado, objeto de provocações e orações, o Papa é o Papa, e o Papa morre sendo Papa. Por isso, quando acordei com a notícia, eu, junto com milhões de seres humanos, me perguntei: por quê? Por que a renuncia senhor Ratzinger? Sentiu medo? Sentiu a idade? Perdeu a fé? Ganhou a fé? Depois de 12 horas, acredito ter encontrado a resposta: O senhor Ratzinger renunciou a toda a sua vida. Simples assim.

O Papa renunciou a uma vida normal. Renunciou a ter uma esposa. Renunciou a ter filhos. Renunciou a ganhar um salário. Renunciou a mediocridade. Trocou horas de sono por horas de estudo. Renunciou a ser só mais um padre, mas também renunciou ser um padre especial. Renunciou preencher a sua cabeça de Mozart, para preenchê-la de teologia. Renunciou a chorar nos braços de seus pais. Renunciou a, tendo 85 anos, estar aposentado, desfrutando de seus netos, na comodidade de sua casa e no calor de uma lareira. Renunciou desfrutar de seu país. Renunciou a seus dias de folga. Renunciou a sua vaidade. Renunciou a defender-se contra os que o atacavam. Sim, isso deixa claro que o Papa foi, em toda a sua vida, muito apegado à renuncia.

Um papa que renuncia a seu pontificado, quando sabe que a Igreja não está em suas mãos, mas nas mãos de alguém maior, me parece ser um Papa sábio. Nada é maior que a Igreja. Nem o Papa, nem seus sacerdotes, nem os leigos, nem os casos de pedofilia, nem os casos de misericórdia. Nada é maior que ela. Mas ser Papa é um ato de heroísmo (um dos heroísmos que acontecem diariamente em nossos países e que ninguém nota). Lembro das histórias do primeiro Papa. Um tal de ... Pedro. Como ele morreu? Em uma cruz, crucificado igual ao seu mestre, mas de cabeça para baixo. Hoje, Ratzinger se despede de modo igual. Crucificado pelos meios de comunicação, crucificado pela opinião pública e crucificado por muitos de seus irmãos católicos. Crucificado pela sombra de alguém mais carismático. Crucificado e com a humildade que tanto dói entender. É um mártir contemporâneo, destes sobre os quais se podem inventar histórias, destes que podem ser caluniados e acusados. E que quando responde, a única coisa que faz é pedir perdão. “Peço perdão pelos meus defeitos”. Nem mais, nem menos. Quanta nobreza, que classe de ser humano. Eu poderia ser mórmon, ateu, homossexual e abortista, mas ver uma pessoa da qual se dizem tantas coisas, que recebe tantas críticas e ainda responde assim... já não se vê no mundo pessoas assim.

Vivo em um mundo onde é engraçado zombar do Papa, mas inconcebível fazer qualquer crítica a um 
homossexual (ou será taxado de intolerante, fascista, direitista e nazista). Vivo em um mundo onde a
hipocrisia alimenta as almas de todos nós. Onde podemos julgar um senhor de 85 anos que quer o melhor para a Instituição que representa, mas lhe indagamos com um “Com que direito renuncia?”. Claro, porque no mundo NINGUÉM renuncia a nada. Ninguém se sente cansado ao ir para escola. Ninguém se sente cansado ao ir trabalhar. Vivo em um mundo onde todos os senhores de 85 anos estão ativos e trabalhando (sem ganhar dinheiro) e ajudam às massas. Sim, claro!

Mas agora sei, senhor Ratzinger, que vivo em um mundo que vai sentir falta do senhor. Em um mundo que não leu seus livros, nem suas encíclicas, mas que em 50 anos se lembrará como, com um simples gesto de humildade, um homem foi Papa, e quando viu que havia algo melhor no horizonte, decidiu partir por amor à sua Igreja. Vá morrer tranquilo senhor Ratzinger. Sem homenagens pomposas, sem um corpo exibido em São Pedro, sem milhares aclamando e aguardando que a luz de seu quarto seja apagada. Vá morrer como viveu, mesmo sendo Papa: humildemente.

Bento XVI, muito obrigado por saber renunciar.


Quero somente pedir minhas mais humildes desculpas se alguém se sentiu ofendido ou insultado com 
meu artigo. Considero a cada uma (mórmons, homossexuais, ateus e abortistas) como um irmão meu, nem mais nem menos. Sorriam, que vale a pena ser feliz.

Fonte :
http://oehd.wordpress.com/2013/02/12/siempre-renuncias-benedicto/

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Pasquale Cipro Neto / A propósito de carnaval

Os meus leitores fiéis sabem que não dou a mínima para o Carnaval. Na verdade, não é bem assim, porque não é a mínima que não dou; dou a máxima, já que simplesmente fujo dele. Carnaval? Me inclua fora dessa, por favor. Aos que ficam, bom proveito!
Esse pavor do Carnaval não me impede de gostar dos memoráveis sambas, frevos e marchinhas que gênios deste país produziram e produzem desde sempre. Algumas dessas obras-primas são de Caetano Veloso, que, diferentemente deste escriba, adora o Carnaval, o verdadeiro, o de rua, como se deduz por estes versos da antológica "Um Frevo Novo": "Todo mundo na praça / e muita gente sem graça no salão".
O caro leitor notou o duplo valor da expressão "sem graça"? Captou? Dou uma ajuda: "sem graça" qualifica definitivamente "gente" ("gente sem graça" = "gente chocha", "que não cheira nem fede") ou existe aí um verbo subentendido ("muita gente que, no salão, fica sem graça")?
Na mesma canção, Caetano costura uma das suas inúmeras referências intertextuais ao retomar o célebre poema "Ao Povo o Poder", do grande poeta baiano Castro Alves ("A praça? / A praça é do povo / Como o céu é do condor"). Caetano começa a letra de "Um frevo Novo" assim: "A praça Castro Alves é do povo / como o céu é do avião".
Parece desnecessário explicar a "adaptação aos tempos modernos" que Caetano faz dos versos de Castro Alves, certo? Mas não é desnecessário explicar que a praça Castro Alves existe, sim, e é um dos grandes redutos (talvez o principal) das manifestações populares dos soteropolitanos.
Embora estejamos num tempo de leitura escassa, de compreensão quase zero e de pouca ou nenhuma valorização da cultura clássica, ainda há alguns concursos públicos (vestibulares, por exemplo) que "insistem" em avaliar a competência intertextual dos candidatos, o que, na verdade, equivale a avaliar o quanto de bagagem cultural cada um desses meninos traz. De certa forma, enoja-me essa coisa de alguém dar importância a algo só porque os concursos exigem, isto é, enoja-me essa visão utilitarista. Melhor mesmo é, por puro prazer, por pura inquietação intelectual e existencial, entender os diálogos que um texto mantém com outros. Cá entre nós, assim a leitura faz muito mais sentido, não?
Mas voltemos ao tema "Carnaval" nas canções de Caetano. Na não menos brilhante "Chuva, Suor e Cerveja", Caetano relata o que "rola" num comboio carnavalesco de rua ("Não saia do meu lado / Segure o meu Pierrô molhado / E vamos embora ladeira abaixo"). O grande protagonista de alguns dos versos dessa canção é a aliteração, figura que o "Houaiss" assim define: "Repetição de fonemas idênticos ou parecidos no início de várias palavras na mesma frase ou verso, visando obter efeito estilístico na prosa poética e na poesia". Em seguida, o dicionário dá este exemplo: "Rápido, o raio risca o céu e ribomba". A aliteração está na repetição do fonema expresso pelo "r".
Nos versos de "Chuva, Suor e Cerveja" em que há aliteração, Caetano vai muito além da definição do "Houaiss". Vejamos: "Acho que a chuva ajuda a gente a se ver / (...) A gente se embala /Se embora / Se embola / Só para na porta da igreja...". Que lhe parece a aliteração de "Acho que a chuva ajuda a gente a se ver"? Leia várias vezes. Ouviu o "barulho" da chuva na sequência "ch" (de "acho" e "chuva"), "j" (de "ajuda") e "g" (de "gente")? Leia o trecho de novo, por favor.
Vamos aos versos seguintes: "A gente se embala / Se embora / Se embola...". Notou o efeito da repetição do fonema de "b"? Não parece fidelíssima a representação escrita, poética do "bolo" humano?
Cá entre nós, caro leitor, dá até vontade de gostar de Carnaval, mas... Tô fora. Literalmente. É isso.