quinta-feira, 1 de julho de 2010

VINICIUS VIVE ! VIVA VINICIUS , O POETA DA PAIXÃO

A promoção de Vinicius de Moraes e os perigos desta vida


O presidente Lula sancionou a Lei nº 12.265, de 16 de junho de 2010, que promoveu post mortem o diplomata Vinicius de Moraes a ministro de primeira classe da carreira de diplomata. Assegura-se aos atuais dependentes de Vinicius os benefícios de pensão correspondentes ao cargo para o qual se fez a promoção. Vinicius entrou para a carreira diplomática após disputadíssimo concurso, em 1943. Em 1946 serviu em Los Angeles, seu primeiro posto. Vinicius foi exonerado do Itamaraty em 1969. Atingido pelo Ato Institucional nº 5, conta-se que no dia da notícia — Vinicius estava em Portugal — salazaristas portugueses tentaram atingi-lo com bravatas. Vinicius enfrentou os agitadores. O confronto lhe rendeu aclamações por jovens e liberais e sensíveis e apaixonados estudantes que ofereceram as becas para que o poeta sobre elas caminhasse. Passaram-se quatro décadas para que se fizesse a necessária correção histórica. Há notícias de que, em 1979, o presidente Lula teria convidado Vinicius para leitura de poemas no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Fato ou versão, não importa, 40 anos depois, anfitrião e convidado se reencontram de modo inesperado. O convidado que leu os poemas no sindicato já não mais está entre nós. Morreu em 9 de julho de 1980, de edema pulmonar, no Rio de Janeiro. Legou-nos uma obra poética inigualável. É o poeta da paixão. Cantou os perigos desta vida, para quem tem paixão principalmente. O anfitrião do episódio do sindicato venceu preconceitos, afirmou-se, elegeu-se presidente da República, é celebridade internacional. Aquiesceu com a justa homenagem e com a necessária reparação, comprovando que humanismo e altivez de espírito não são adereços que adornam apenas diplomados e formalmente letrados. Vinicius de Moraes substancializou a carreira diplomática naquilo que a nobre atividade tem de mais marcante: a sensibilidade. A dissociação entre diplomata e poeta é mero acidente de interpretação, típico de quem apenas encontra na burocracia a disposição para a afeição ao carimbo, à forma, à mesmice. Não que a inusitada aproximação entre ofício e arte transforme o homenageado no campeão das causas diplomáticas. Menos. É que o entorno burocrático também acena com enigmas da existência, que também compõem um conjunto de anseios e de receios, que afugentam e norteiam habilidades e aptidões. E Vinícius também simboliza o diplomata na inteligência, na multiplicação de interesses culturais, no gosto pela generalidade, no rigor com a verticalidade naquilo que se faz, no amor e no apego para com a existência. Construiu asas. Não se conformou com raízes. Diplomata, poeta, compositor, jornalista, crítico de arte, estudioso da cultura, Vinícius era um polímato. A sua produção intelectual é um patrimônio nacional. A sua sensibilidade, incomensurável, um referencial universal. A integridade para com as causas que defendia, entre elas a mais altaneira de todas, o amor, é o símbolo de uma existência concomitantemente irrequieta e tranquila, se é que esta aproximação seja possível. Espremido por uma época que antagonizou duas únicas vias para a construção da sociedade, Vinicius não titubeou e não se comprometeu. Acima das lutas cá da terra, viveu a inconstância do amor, comprovando que a existência tomada de um modo metafísico e inquestionável apenas torna o homem mais um dos descontentes da civilização, em seu sentido freudiano. A luz dos olhos de Vinicius recorrentemente precisava se casar. E se casaria tantas vezes quanto necessário fosse, na blague atribuída a uma resposta que Vinicius dera a Tom Jobim. Vinicius de Moraes anunciou no Soneto da fidelidade uma nova concepção de tempo, conformando-nos com a mortalidade, mas tornando a existência infinita, enquanto durasse o viver, que é longo, se bem vivido, ainda que o seja por um instante finito. Vinicius invertia e subvertia o andar das horas: poetou que de manhã escurecia, de tarde anoitecia e de noite ardia... A vida é boa, inegavelmente. Vinicius bendizia o amor das coisas simples. Poeta em estado natural, na lembrança de Drummond, Vinicius inquietava-se com o mistério da morte, que sublimava na paixão da vida. Católico na origem (fez a primeira comunhão em 1923), Vinicius aproximou o sentido soteriológico de todas as religiões na comunhão absoluta, no amor pela vida. Seu catecismo era a perseguição do sublime. Seu mantra a realização absoluta dos desejos nos quais se fundamenta a existência, desprezando-se um mero sentido utilitarista, típico de um pragmatismo que certamente desprezava. A lei sancionada pelo presidente Lula provoca em todos nós a lembrança de um excerto de Vinicius para quem, depois de tantas retaliações, tanto perigo, eis que ressurgiria no outro o velho amigo, nunca perdido, sempre reencontrado. Comprova-se, definitivamente, que depois de idas e vindas, triunfa o ardor, a persistência e a paixão de todos quantos enfrentamos e vivemos intensamente os perigos desta vida

Um comentário:

  1. Sem dúvida um texto muito lindo, uma precisa e mais que merecida homenagem ao nosso poetinha!

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