terça-feira, 25 de agosto de 2009

Texto de Lya Luft


Um dia me pediram para escrever sobre "o casal perfeito": bom para quem gosta de desafios. Minha primeira providência foi cercar com aspas o vocábulo "perfeito". O que justificaria o rótulo sobre o qual eu devia escrever?


Imediatamente ocorreu-me que parceiros de um casal "perfeito" precisam se querer bem como se querem bem os bons amigos, e temperar esse afeto com a sensualidade que distingue amizade de amor. Duas pessoas que compreendem, sem ressentimento nem cobranças, a inevitável dose de peculiaridades do ser humano e sua dificuldade de comunicação. Em última análise, toda a sua complicação.


A melhor parceria deve ser aquela em que um aceita o outro sem ter de se submeter a qualquer coisa pelo outro; em que um aprecia e admira o outro, mas tem por ele ternura e cuidados. Sobretudo aquela em que um parceiro não investe no outro todos os seus projetos, à primeira decepção passando de amor a rancor.


Se o outro servir de cabide para os nossos sonhos mais extravagantes de perfeição, o primeiro vento contrário derruba o pobre ídolo que não tem culpa de nada. No casamento saudável há um propósito geral: quero passar com você o melhor dos meus dias, construir com você uma relação gostosa, importante e definitiva.


Amor bom, além do mais, tem de suportar e superar a convivência diária. A conta a pagar, a empregada que não veio, o filho doente, a filha complicada, a mãe com Alzheimer, o pai deprimido, ou o emprego sem graça e o patrão grosseiro.


Na verdade, na parceria amorosa como em tudo o mais recomeçamos tudo todos os dias. Então podemos tentar começar diferentes aqui e agora. O cotidiano conforta, os seus pequenos rituais são os marcos de nossa vida mais segura, mas também traz desencanto e monotonia.


Precisamos de criatividade num relacionamento amoroso, dizem. O problema é que quando se fala em "criatividade" numa relação a maioria pensa logo em inovações no sexo, como se a solução estivesse em novas posições, outro perfume, artifícios exóticos. Transar bem é resultado, não meio.


Passada a primeira fase de paixão (desculpem, mas ela passa, o que não significa tédio nem fim de tesão), a gente começa a amar de outro jeito. Ou a amar melhor ou: aí é que a gente começa a amar; a querer bem, a apreciar, a respeitar, a valorizar; a mimar, a sentir falta, a conceder espaço; a querer ver que o outro cresça e não fique grudado na gente.


Um pouco de lucidez e um bocado de maturidade (ah, que boa coisa, o tempo ) há de mostrar se - e o quê - pode ainda ser conquistado a dois.


(...) Um amigo disse no aniversário de sua mulher uma das coisas mais bonitas que ouvi: "Todos os dias do nosso casamento, eu te escolhi de novo como minha mulher".


O casal mais feliz haveria de ser aquele que não desiste de correr atrás do sonho de que, apesar dos pesares, a gente a cada dia se olharia como da primeira vez, se enxergaria - e se escolheria novamente.



(Texto extraído do livro Perdas & Ganhos )

2 comentários:

  1. Essa semana li o texto de Lia Luft na Veja.

    Nunca fui muito fã dela, mas me identifiquei com a sensação de vazio diante da doença da mãe, acho que porque pensei no meu tio Itamar, nas minhas primas, em Sr. Norberto e em Tiago, que escutou há algumas semanas que seu pai não mais lembrava de como era o próprio filho.

    A sensação da urgência da visita se intensificou. Acho que vamos por muitos motivos, o casamento, a saudade, a volta às raízes, a Mooca, e, principalmente, o conforto do pai e do filho.

    E, ainda, para proporcionar a Luiz Eduardo um encontro emocionado com o avô com meia lucidez.

    Com esse texto postado por você, Guga, rendo-me à maturidade dessa gaúcha, e finalizo com um poeminha dela que fala, justamente, de uma leveza que temos que exercitar, eu principalmente:

    "Não sou a areia
    onde se desenha um par de asas
    ou grades diante de uma janela.
    Não sou apenas a pedra que rola
    nas marés do mundo,
    em cada praia renascendo outra.
    Sou a orelha encostada na concha
    da vida, sou construção e desmoronamento,
    servo e senhor, e sou
    mistério

    A quatro mãos escrevemos este roteiro
    para o palco de meu tempo:
    o meu destino e eu.
    Nem sempre estamos afinados,
    nem sempre nos levamos
    a sério".

    Beijos.

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  2. Eu gosto muito das coisas que ela escreve, este livro (Perdas & Ganhos) já li umas três vezes, tem outros trechos bem bacanas que aos poucos vou postando.Com certeza, essa viagem a SP é mais do que conveniente, é necessária e certamente será inesquecível, a primeira viagem de Dudu para a terra do papai!

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