sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Da lavra de Bráulio Tavares

Os mineiros e os anões

O resgate dos 33 mineiros chilenos nos lembra as individualidades ocultas por trás dos números. Quando ouvimos falar que 33 mineiros estão soterrados não é muito diferente de sabermos que 2.900 pessoas morreram no ataque ao World Trade Center. É um número. Quando ouvimos notícia sobre uma guerra, ficamos sabendo que 20 mil soldados morreram. No outro dia, vem uma correção: não foram 20 mil, foram 21 mil. Que diferença faz, para nós, essa mudança da algarismos? Nenhuma. O “Globo” de hoje (quarta, dia 13) traz uma página inteira sobre os mineiros, fazendo algo que a imprensa aconselha a si mesma há décadas: “personalize a notícia”. Ao invés de estatísticas, conte histórias individuais. No fim da história, quando você fornecer um número, pode ser que algum leitor mais inteligente pegue aquela história e multiplique pelo número: “são 33 casos como este, são 20 mil casos como este”. Mas se começar a discussão pelo aspecto quantitativo, o leitor não vai ter o que multiplicar. Morreram 20 mil ou 200 mil, tanto faz.Dizem que na história tradicional de Branca de Neve os sete anões (que, aliás, também trabalhavam com mineração) eram um grupo indiferenciado. Uma porção de anões sem nome e sem rosto. Foi o talento de Walt Disney e seus redatores que decidiu dar a cada um deles um nome e uma característica: daí que temos Mestre, Zangado, Soneca, Dunga, Feliz, Atchim e Dengoso. Disney sabia que a riqueza de possibilidades e de situações (dramáticas ou cômicas) se multiplica quando temos um grande número de individualidades bem marcadas. Uma situação qualquer envolvendo Zangado e Soneca vai ser desenvolvida, necessariamente, de um modo diferente do que se fosse a mesma cena envolvendo o Mestre e Atchim. Roteiristas de cinema fazem isso há milênios.À medida que os mineiros emergem do túnel vertical, já se tornaram tão individualizados quanto os anões de Branca de Neve. Este aqui é o mais velho, com mais de 60 anos; aquele ali é o mais novo, com 19. A mera percepção desses números faz com que cada um deixe de ser um “número” e ganhe um traçozinho de individualidade. Tem um que tem duas namoradas. Outro que já sobreviveu a três desmoronamentos. Tem um que é o escritor do grupo. Outro que estava em seu primeiro dia de trabalho quando ocorreu o acidente. Tem um que é boliviano; e outro cujo filho estuda Medicina. À medida que surgem, vão se transformando num nome, num pequeno parágrafo de biografia, num rosto sisudo ou sorridente. Nunca saberemos quem são, como pessoas, mas tornam-se personagens visíveis, cada um com suas peculiaridades. É para personalizar números que a imprensa existe, para contar dramas coletivos através de retratos individuais. É mais fácil com sete anões do que com 33 mineiros, e mais fácil com estes do que com 20 mil mortos de uma guerra, mas mesmo com meia dúzia pode-se dar uma pequena amostra do drama individual a ser multiplicado pela frieza das cifras.

3 comentários:

  1. Excelente texto Painho!!!!!
    Impressionante como a imprensa tratou esse caso, criando uma narrativa que certamente, em breve, se tornará um relato biográfico, em forma de livro, documentário ou cinema.
    Uma coisa é certa....o resgate de 33 mineiros custou R$ 17 mi ao Chile que vendeu isso a imprensa mundial por R$ 2 bi....uma vergonha saber que mesmo num momento difícil as pessoas, ou pior, O PAÍS aproveita da situação para angariar fundos.
    O que me entristece é a cegueira das pessoas que acabam achando normal a morte de 100 mil civis na Guerra do Iraque...pois esses estão longe, não tem nome, nem sobrenome e nem peculiariades para contar!!!!!!!

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  2. Painho,
    vc deveria escrever mais no Amenidades!!!!!
    tem meu voto, Dr.Carlos!
    beijooooooooooooooooosssssssssssssssssssssss!!!!!

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  3. Esses elogios rasgados não são exageros das filhas, viu, tio? O texto está mesmo excelente, me deu vontade de saber mais desse episódio, dessas pessoas e dessas vidas todas.

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