o mundo deve estar de cabeça baixo!

Galera,
Eu estou escrevendo daqui no Sul da Patagônia Chilena, mas precisamente de Puerto Natales.
Como algumas pessoas sabem, semana passada houve o trágico acidente, que terminou na fatalidade, como o meu ex-namorado, o Bernardo, lá em El Chalten, na montanha Fitz Roy.
Eu fui para El Chalten dar uma força para a Kika, minha amiga que estava escalando com ele,e também aproveitar aquele tempo para me despedir dele e dar um apoio aos familiares que foram para lá.
Fiz um caminho meio "quebrado", pois de última hora, nao existia mais passagem via Buenos Aires, e como já tinha um vôo para Santiago no mesmo dia em que soube do acidente, eu fui para Santiago e passei por Puerto Natales antes de entrar na Argentina.
Aqui, deixei uma mochila grande em um albergue, pois nao queria ir com toda a tralha de escalada para El Chalten.

Depois de todo o processo doloroso por lá, chegou minha hora de voltar para o Chile e ir para Coyhaique trabalhar (para a NOLS).
Nao contava com a greve do país por causa do preço do gás. Um movimento enorme que está acontecendo aqui na regiao de Magallanes.
O onibus saiu de El Calafate (ARG) em direçao à Puerto Natales. Na fronteira, o ônibus teve que parar, pois havia uma barricada e ninguém pode entrar ou sair das cidades chilenas. Nao há transportes públicos circulando, nem táxi, absolutamente nada.
A única maneira de eu entrar na cidade seria caminhando. Nao deu outra, com mais outros 4 corajosos caras (01 espanhol e 03 chilenos), descemos do ônibus, pegamos as mochilas e começamos a caminhar os 30 km!Nada demais para mim, que já sou acostumada com caminhada. demoramos 2 horas e 1/2 sem parar.

Cheguei no albergue, peguei minhas coisas e daí que fiquei sabendo que a situaçao era mais caótica que imaginava. As pessoas estavam literalmente presas nas cidades. Quem estava, por exemplo, no Parque Nacional Torres del Paine, nao podia sair de lá, da mesma forma que eu nao podia sair de Puerto Natales para ir à Punta Arenas pegar meu vôo para Coyhaique. Os turistas que estavam aqui começaram a se mobilizar, fazer reunioes e daí entrou a Cruz Vermelha em cena. Um monte de gente veio ficar aqui em uma escola e a Cruz Vermelha, junto com o Exercito do Chile começou a organizar a evacuaçao de todo mundo. Só que detalhe: sao milhares de pessoas do mundo inteiro, idosos, crianças, mulheres grávidas. As pessoas dormem aqui em colchoes e fazem todas as refeiçoes por aqui. Nao falta nada. Aqui tem internet (por isso estou escrevendo). Mas claro, nem tudo funciona perfeitamente, e o meu nome que eu tinha colocado na lista de ontem nao foi chamado hoje, muita gente que chegou depois de mim já teve a bendita sorte de sair em um comboio e depois em um aviao do exercito para Punta Arenas e devem estar lá lutando no aeroporto para conseguir um vôo para a sua destinaçao (nem imagino como deve estar o aeroporto!).

Hoje, me juntei com outro brasileiro, de Sao Paulo (que também nao teve o nome publicado) e vimos que havia o nome de um cara brasileiro(com um acompanhante) repetido em duas listas diferentes. Prestamos atençao quando chamaram o nome do cara para o primeiro comboio e daí quando chamaram o nome do cara novamente para o terceiro comboio, nós passamos por esta pseudo-identidade. E só assim pudemos passar para o outro lado da rua, na esperança de entrar num dos caminhoes, rumo ao aeroporto. Depois demos o nosso nome e passaporte corretos, numa segunda etapa do processo. Mas, infelizmente a nossa alegria durou muito pouco e antes dos caminhoes chegarem para nos buscar, o Exercito anunciou que iria parar o processo por conta de fortes manifestacoes nas barricadas. Nada foi explicado muito claramente, e nao sabemos se os caminhoes nao puderam passar de volta, ou a situaçao no aeroporto está pior que aqui.

Tem muitos brasileiros aqui, todo mundo já perdeu os vôos há dias!.. eu nao tenho muito com o que me preocupar, tenho um contrato de trabalho começando amanha, mas a NOLS já está avisada e compreende perfeitamente o que está acontecendo nesta regiao da Patagônia. Eles estao cientes que eu vou chegar atrasada para o trabalho.

Eu somente queria compartilhar com vocês esta louca e nao planejada aventura que estou vivendo. Depois de toda a agitaçao interna que foi para mim com a morte do Bernardo, depois de toda a loucura que está acontecendo no Rio e em Sao Paulo por causa das chuvas, ainda vem mais essa agora!.

Incrível, hoje é o 16º dia do ano e tanta coisa acontecendo, até parece que o mundo está virado de cabeça para baixo!

Mas, está tudo bem comigo , eu tenho saúde, tenho paciência e apesar de tudo ,aqui a atmosfera é de extrema generosidade, bondade e solidariedade entre todos. Agora mesmo comi meu almoço no bandejao: purê de batatas com molho de salsicha, um pedaço de pao, suco tang e um pêssego de sobremesa... só para rir um pouquinho da situaçao! :)
pior é um casal de brasileiros que estao aqui em plena lua de mel!

beijo em todos!
Mariana