quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mal de mãe

Sempre tive muito interesse pelas pessoas, sou observadora e curiosa no que diz respeito às relações e ao comportamento humanos, e ultimamente as mães têm despertado muitísssimo a minha atenção. Tenho notado que a espécime materna, da qual eu faço parte, tem se tornado cada vez mais neurótica, com um quê de esquizofrenia. Já não se faz aquelas mães de outrora que eram guiadas por instinto e intuição, possuidoras de uma aptidão inata para criar filhos saudáveis, felizes e educados. Não sei por que tudo se complicou tanto, penso que falta às mães de hoje apenas mais tempo para redescobrir, com calma e paciência, a simplicidade e a naturalidade desta relação. Por isso, baseada em minha própria experiência, no convívio com outras mães e em uma vasta literatura já analisada sobre o assunto, decidi iniciar uma série de textos sobre o tema.

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SER MÃE É TER CULPA
Culpa [Do lat. culpa.]S. f. 1. Conduta negligente ou imprudente, sem propósito de lesar, mas da qual proveio dano ou ofensa a outrem. 2. Falta voluntária a uma obrigação, ou a um princípio ético. 3. Delito, crime, falta: & 4. Transgressão de preceito religioso; pecado. 5. Responsabilidade por ação ou por omissão prejudicial, reprovável ou criminosa: 2 6. Jur. Violação ou inobservância duma regra de conduta, de que resulta lesão do direito alheio. [Cf. dolo1.]
Está aí uma característica que nós, não só conservamos das mães mais antigas, como a avivamos muito mais. "Mãe que é mãe tem que sentir culpa", é algo que nos foi transmitido, incutido, demonstrado, é intrínseco à figura materna, e eu me pergunto por qual motivo a esmagadora maioria dos pais, que tem 50% de participação nesta empreitada, não a sentem. Será que o fato de carregar o rebento em nosso ventre aumenta consideravelmente a nossa responsabilidade de forma irreversível , por toda a vida? A verdade é que é justamente aí, durante a gravidez, que experimentamos pela primeira vez esta paralisante sensação.
Pensamos assim: a mãe é o invólucro da criatura e , portanto, qualquer coisa que perturbe seu bom desenvolvimento será, obviamente, sua culpa. Se ela não está ganhando peso, se está se mexendo muito, se quase não se movimenta, se tem alguma intercorrência, "-Mãe, você devia ter se cuidado mais!" Então, os bebês nascem e um universo de oportunidades para vivenciar a culpa se abre à nossa frente.
Se você não amamentar seu bebê, não tem problema, mas saiba apenas que toda e qualquer doença que ele contrair até um ano de idade, qualquer déficit no seu crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor terá para sempre uma explicação plausível. Vale até mentir, esconder qualquer vestígio de mamadeiras e leites artificiais, porque não amamentar é quase um pecado, e provavelmente você prestará contas no dia do juízo final. A rotina estressante de um recém-nascido leva você, então, a desejar descansar um pouco, quem sabe ir ao salão, assistir um filme, sair pra jantar com o marido, mas a culpa, companheira incansável, não nos abandona. Nem mesmo se estamos caindo de sono e cansaço e temos uma babá ou uma avó a postos, dispostas a nos ajudar.
Tudo é motivo de culpa: não amamentar, amamentar por tempo demais a ponto de dificultar a introdução dos outros alimentos, mimá-lo demais ou de menos, deixá-lo sob os cuidados da avó ou da babá, levá-lo consigo aonde quer que vá , impor-lhe uma rotina ou uma vida sem horários fixos, se ele não come direito, se não dorme direito, se estranha demais as outras pessoas e só quer ficar com você, se fica com qualquer pessoa; voltar a trabalhar, entrar em uma academia, retomar a sua vida tem que ser aos poucos, sorrateiramente, pra ver se a culpa não percebe.
Quando eles crescem um pouco mais, entra em cena a escola, e nos são ensinadas uma série de outras culpas que ainda não havíamos aprendido. Ele tem problemas em se socializar com os coleguinhas, ele não tira notas boas, não consegue se concentrar, tem atividades demais e isso está atrapalhando, tem más companhias; tudo o que acontece com o filho, tomamos como nosso, é da nossa alçada, nosso departamento, inevitavelmente, é culpa nossa. Não conseguimos dedicar-lhes toda atenção que gostaríamos, vêm as inevitáveis compensações materiais e, depois de tanto esforço, parece que eles não entenderam direito os valores e princípios que tentamos passar durante todos esses anos, culpa nossa ! Aí, com eles já adultos, ainda acharemos uma brecha pra sentir nossa velha companheira, quando eles tomarem suas próprias decisões equivocadas; quem sabe não foram sob influência nossa?
É realmente incrível porque até quando racionalizamos, fazemos terapia, meditação, orações e finalmente pensamos estar livres da culpa, de bem com a vida, com a sensação de dever cumprido, com a idéia de que, se erramos, foi tentando acertar, nos culpamos por sentir que não temos culpa nenhuma!

5 comentários:

  1. Guga, amei o texto. Você está ficando craque mesmo.

    Eu não posso dizer que sinto essa culpa que rasga.

    Um dia, quando Luiz Eduardo ainda tinha um mês, dois, no máximo, de vida, Gisela me falou que estava cheia de dedos com Mari, e que os filhos da pessoa que trabalhava na casa dela foram visitá-la. Nessa hora (eram 3 crianças), ela pensou que eles não conviviam tanto assim com a mãe, nem dispunham dos brinquedos mais modernos, nem de muito dinheiro, mas que, mesmo assim, estavam lindos, limpos, cheirosos, educados e de bem com a vida, pareciam e eram crianças felizes. Toda vez que esse sentimento vem pra me pegar, penso: se cria! E tento lembrar não de tudo o que eu não faço pro meu filho, mas de tudo o que faço e, depois, de tudo o que tento fazer pra vê-lo feliz. Neste caso, acho que a intenção conta, e muito. Por isso, quero sempre crer que, quanto mais o tempo passar, melhor ficará, e esse olhar devo a você e à Maga.

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  2. Este texto definitivamente não é autobiográfico, eu sou do time das que se culpam por não sentir culpa, acho que sempre fui uma mãe relaxada, sem muitas neuras, mas com certeza a experiência e a quantidade de filhos ajuda muito kkkkk!!Minha intenção é apenas trazer à tona assuntos relevantes que nos façam pensar, refletir sobre nós mesmas pra viver cada vez melhor!

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  3. Guga, acredito que provavelmente nossos papos de ontem à tarde tenham influenciado a sua postagem e a escolha do texto acima. Muito obrigada pela ajuda e, sobretudo, pelo exemplo, acrescidos, ainda, das palavras postadas cheias de significado. Aprender a ser mãe é também aprender a não sentir culpa ou a conviver com esboços de culpa que podem nos atingir. Mas estou aprendendo direitinho, viu, amiga ? Como disse Biba, temos que sempre nos lembrar das coisas boas que fazemos por nossos filhos e do tanto que fazemos para vê-los bem e felizes - mesmo que não estejam ao nosso lado 100% do tempo, mesmo que deleguemos funcoes a babás e avós e mesmo que precisemos dar leite artificial. Afinal, mãe se mede pela quantidade de leite ???? rsrsrs

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  4. Em tempo, gostei tanto do texto que saí encaminhando pra todo mundo por e-mail, fazendo, lóoogico, menção à autora.

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  5. Apesar do tempo curto, e ter que fazer milhões de cabeças de Pucca, n deixo sequer um dia passar , sem dar uma olhadinha nos acontecimentos desse rol de amizades do qual eu graças a Deus eu faço parte. Gostaria muito de dar minha opinião sobre tudo isso, mas teria que parar para tentar transmitir em palavras, assim como nossa excelênci(Guga ) sabe fazer perfeitamente. Inclusive digo-lhe que deveria escrever um livro...
    Sou sua fã!
    bjs

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