terça-feira, 24 de novembro de 2009

Enferma na Patagonia

Bem..
Fiquei pensando qual título colocar para este post, acabei colocando este talvez porque neste momento é a questão que mais se faz presente - enfermidade.

Fui para a temporada de trabalho na Patagônia, muito motivada, entusiasmada e cheia de energia e saúde. Saí da Paraíba mais do que recauchutada, muito sol, praia, amigos e especialmente, família me recarregou as baterias.

Tive dois cursos lá, o primeiro foi super inesperado. Era um hiking, mas chegando lá, as condições metereológicas estavam caóticas, e andamos 80% do curso em neve alta e fofa e pegamos algumas tormentas, obviamente tive suporte dos outros dois instrutores com mais experiencia e competencia naquele tipo de terreno e foi tudo certo, apesar de algumas chateações.

Pro segundo curso Mountain Travel, estava mais animada, gostei mais dos meus co-instrutores, e iria aprender mais que ensinar. Iríamos subir para um glaciar e ensinar técnicas de snow and glaciar travel e resgate aos alunos, mas como estava em uma posição diferente (aide), o que significa que estava aprendendo e que não tinha importantes responsabilidades em termos de gerenciamento de risco e tomadas de decisões, embora trabalhasse como instrutora ensinando os skills que eu já sabia e os quais tinha experiencia (antes do glaciar). Tudo corria bem, tinhamos cruzados vários rios e vales , muito vara-mato e então, na "boca do glaciar" tive que ser evacuada (linguagem utilizada para sair fora do curso).

Tudo começou com uma picada de "aranha" no dia 03 de novembro (hoje fazendo um mes), não dei muita importância a picada, não senti na hora, somente no dia seguinte e parecia um inseto qualquer. Dois dias depois mostrei a uma instrutora, a picada já doía muito ao toque e estava ficando inchada, no dia seguinte já estava diferente e então conversamos com a equipe de instrutores (04) e resolvemos que começaria a tomar antialérgico (Zyrtec) - todos nós instrutores temos curso de Wilderness First Responder - que é como um primeiros socorros avançados em áreas remotas e lidamos com os primeiros atendimentos de doenças e traumas ocorridos na expedições, levamos também um drug kit.

O antialérgico não resolveu nada e a lesão só ficava pior, mais inchada, o roxo tinha se transformado em um anel semi-circular com um buraco preto e mais outras 3 bolhas nele. Entramos com antibiótico, o inchaço tava muito vermelho, muito dolorido, como inflamado, mas não tinha pus. Continuei com 5 dias de Keflex (Cefalexina) e não melhorou. Ligamos para a NOLS (telefone via satelite) , demos o relatorio , eles entraram em contato com o WMI (Wilderness Medicine Institute) em Lander e eles falaram para eu evacuar, pois tudo parecia uma severa infeccao gerada por um veneno de aranha, e com um buraco na lesão eu não poderia ficar ali em hipótese alguma.

No mesmo dia foi feita toda a logística pelo escritório, mas a saída não foi tão rápida assim (claro que, dependendo do caso, poderia ter saido de helicoptero). Estava em uma área muito remota da Patagônia, o glaciar que iríamos subir talvez poucas pessoas (um outro curso NOLS) já esteve lá. Não há civilização, há poucas famílias (pueblos) que vivem perto dos rios maiores, como a família Arratia que vive na margem do Rio Baker, uma região entre o Campo de Gelo Continental Norte e Sul da Patagonia Chilena. Já conhecia os Irmãos Arratia pois passamos uns dias na casa deles com os alunos, no inicio do curso, tendo uma espécie de troca cultural, além de que eles tinham, dias antes, levado toda a nossa comida a cavalo (uns 300kg), até onde os cavalos puderam chegar.

A operação incluia um pequeno hiking de 4km, infelizmente vara-mato total e depois uma viagem de 02 dias a cavalo e mais 01 viagem no Rio Baker de bote, até chegar à Carretera Austral e um carro da NOLS me pegar. Foi o que aconteceu, dia 14 saímos em um grupo de 5 para me levarem a um ponto na junção de dois rios. 2km antes de lá, quando paramos para um lanche, nos surpreendemos com a chegada do Cristian (Arratia). O cara tinha chegado 3 horas mais cedo que o combinado e ainda foi andando sozinho até nos encontrar no meio do mato. Todos ficaram mais felizes por não precisarem varar mais 2km e depois voltar tudo. Segui com o Cristian, ele muito mais rápido que eu, eu indo atrás, com meu piolet enganchando em tudo quanto é galho, levando quedas ridículas, estava muito fraca e também fragilizada, muitos dias de dor, minha perna já doía muito para andar.

Chegamos na bifurcação e encontramos 02 cavalos, um para ele e outro para mim, dividimos o peso da minha mochila entre os cavalos e ele perguntou se eu sabia andar de cavalo. Eu disse: "hace muchos años que no subo en un caballo". E ele falou: "si el caballo bajar la cabeza, tienes que pegar la rienda para arriba".. e eu: "claro!"

Daqui farei uma pausa e passarei adiante... é muita estória para contar, foram muitas emoções que vivi nestes dois dias a cavalo com um poblador da cordilheira. Tinha momentos que eu não estava acreditando no que estava vivendo, algumas vezes achava ruim, queria sair dali logo; outras vezes achava tudo impressionante, mágico, como por exemplo: uma cena quando estávamos troteando na margem de um rio, estava tudo meio calmo, tinha parado de chover, eu com meu cansaço, só observando, sendo levada, de repente, uma raposa atravessa na nossa frente, muito calmamente, uma coisa linda.. só que não mencionei ainda, o Cristian estava acompanhado de 3 cachorros, os cachorros mais inteligentes e fortes que já vi em toda minha vida: Chicote, Revenque y Portenha. Na hora que a raposa olhou para os cachorros e vice-versa, começou a correria no meio da floresta, só se ouviam os latidos por um looongo tempo e Cristian lá, sem dar a mínima importância para os cães.

Bom, depois de um dia mais na casa dos Arratia, uma viagem de bote e mais algumas horas de carro até chegar em Cochrane, uma cidadezinha, muito pequena mesmo, tive meu primeiro atendimento médico, que foi terrível. O médico do pequeno hospital, olhou minha perna e falou que eu tinha que continuar com antibióticos e mais antialérgicos até chegar em Coyhaique para onde iria no dia seguinte (de ônibus). Resultado, começei a me entupir de medicação (uns 2.000mg de antibióticos, 02 doses de antialérgicos e tive que triplicar a dose de corticóides -que tomo para meu problema na supra-renal - por recomendação de meu tratamento. ufa!!

E só piorando...

Cheguei em Coyhaique e se via, notadamente que estava bem pior, começei a inchar (parece que ganhei uns 4 quilos!), começei a andar com muita dificuldade, tive alergia para a outra coxa, glúteos e pés, dores nos joelhos, na coluna, dores de cabeça. Fui então ao médico, um dermatologista, quis saber um monte de coisas, me examinou , perguntou e veio com uma proposta de tratamento. Falou que eu estava com uma infecção (verdade), tecido necrosado (verdade), que meu organismo tinha reagido aos medicamentos e desenvolvido um processo alergico generalizado por causa do corticóide que tomo e que me deixa mais vulnerável (eu acho que é verdade), e que eu tinha que fazer uma pequena cirurgia-raspagem do tecido necrosado para deixar o corpo sangrar e sarar (não quis ter muita certeza disso, fiquei muito assustada), sabia que se fizesse alguma intervenção lá, provavelmente teria que me recuperar lá e não poderia viajar com uma ferida aberta.

Tudo indicava que a questão não era mais a picada de "aranha", a questão se tratava de uma infecção, provavelmente (stafilococus) e que poderia se alastrar rapidinho para outros orgaos. Fiquei mais ou menos desesperada. Um estado muito esquisito, minha mente super perturbada, meu corpo se segurando, e meu emocional "escorregando pelas brechas", porque não iria fazer nada até chegar em Joao Pessoa. E para isto tive que esperar um dia mais e viajar mais um, ao todo foram 06 decolagens em 24 horas. ufa !

Cheguei me arrastando, entrei no carro e só queria dormir, tudo doía, a pereba ainda muito inchada , dor de cabeça.. um monte de coisa ruim.

Agora tenho algumas notícias um pouco mais animadoras, apesar de estar apenas re-começando o tratamento .. meus exames de sangue não indicaram uma infeccção maior e a pereba tá muito melhor, menos inchada, menos vermelha. Pensei em postar as fotos da evolução da picada aqui, mas, como é uma coisa HU (hospital universitário) demais, muita gente não vai gostar, se quiser coloco, a nivel informativo claro. Ah, suspeitamos a aranha marrom, venenosa.

Tava até comemorando um dia sem dor de cabeça, mas ela chegou agora..
:(

Vai entao uma foto minha com Revenque Y Chicote, quando chegamos na casa do Cristian.

beijos
Nana

3 comentários:

  1. Meu Deus, Nana, me deu até vontade de chorar só de te imaginar sozinha, vulnerável no meio do nada, longe de tudo.Quando mainha me contou o que tinha acontecido, fiquei muito preocupada mesmo, e mainha e painho, então, nem se fala!!A vontade que dá em todos nós é de te proteger, de manter vc por perto para que nunca mais vc passe por algo parecido novamente!

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  2. Nana, só acredito que essa história não seja fruto do veneno alucinógeno da aranha marrom porque vi a foto do cachorro-mais-inteligente- do-mundo. Não sei se tive vontade de chorar, como Guga, ou de rir, aquelas risadas desesperadas de quem está vivendo um perigo iminente. Só sei que, como mãe, nem imagino meu filho passando por uma situação dessas, embora a vida dele me seja indomável. A vida é muito curta pra gente viver em casa e, ao mesmo tempo, a vida é muito curta pra gente viver fora. Ainda mais correndo tanto perigo. Você é a melhor alma selvagem que já conheci. Por isso, cuide da pereba e fique por perto, sob o manto de proteção dos seus pais. Deixe-se cuidar. Acho que sua mãe não cabe de contentamento. Saúde e um beijo especial.

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  3. Mary Stuart querida,

    Desde o momento que soube o que se passara com você entrei em oração. O e-mail de Guga era muito vago, pois ela ainda não sabia ao certo o que tinha ocorrido. Soube ontem que você , Graças a Deus, está bem melhor. Nada como o cuidado e a presença da família e amigos para reanimar e sarar qualquer ferida. Assim que chegar em Jampa vou te visitar.
    Um beijo bem grande no seu coração,
    Deda.

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