quinta-feira, 4 de junho de 2009

Amadurecimento

AMADURECIMENTO
(MARTHA MEDEIROS)
Tenho viajado bastante para acompanhar algumas pré-estreias do filme Divã, baseado no meu livro homônimo. Delícia de tarefa, ainda mais quando a gente gosta de verdade do trabalho realizado, e esse filme realmente ficou enxuto, delicado e emocionante. Além disso, ainda consegue me provocar. A personagem Mercedes (vivida pela incrível Lilia Cabral) está fazendo análise e leva pro consultório muitos questionamentos sobre sua vida. Até que, passado um tempo, finalmente relaxa e se dá conta de que não há outra saída a não ser conviver com suas irrealizações. Diante disso, o analista sugere alta, no que ela rebate: Alta? Logo agora que estou me divertindo?.Eu tinha esquecido dessa parte do livro, e quando vi no filme, me pareceu tão cristalino: um dos sintomas do amadurecimento é justamente o resgate da nossa jovialidade, só que não a jovialidade do corpo, que isso só se consegue até certo ponto, mas a jovialidade do espírito, tão mais prioritária. Você é adulto mesmo? Então pare de reclamar, pare de buscar o impossível, pare de exigir perfeição de si mesmo, pare de querer encontrar lógica pra tudo, pare de contabilizar prós e contras, pare de julgar os outros, pare de tentar manter sua vida sob rígido controle. Simplesmente, divirta-se.Não que seja fácil. Enquanto que um corpo sarado se obtém com exercício, musculação, dieta e discernimento quanto aos hábitos cotidianos, a leveza de espírito requer justamente o contrário: a liberação das correntes. A aventura do não-domínio. Permitir-se o erro. Não se sacrificar em demasia, já que estamos todos caminhando rumo a um mesmo destino, que não é nada espetacular. É preciso perceber a hora de tirar o pé do acelerador, afinal, quem quer cruzar a linha de chegada? Mil vezes curtir a travessia.Dia desses recebi o e-mail de uma mulher revoltada, baixo-astral, carente de frescor, e fiquei imaginando como deve ser difícil viver sem abstração e sem ver graça na vida, enclausurada na dor. Ela não estava me xingando pessoalmente, e sim manifestando suacontrariedade em relação ao universo, apenas isso: odiava o mundo. Não a conheço, pode sofrer de depressão, ter um problema sério, sei lá. Mas há pessoas que apresentam quadro depressivo e ainda assim não perdem o humor nem que queiram: tiveram a sorte de nascer com esse refinado instinto de sobrevivência .Dores, cada um tem as suas. Mas o que nos faz cultivá-las por décadas? Creio que nos apegamos com desespero a elas por não ter o que colocar no lugar, caso a dor se vá. E então se fica ruminando, alimentando a própria "má sorte", num processo de vitimização que chega ao nível do absurdo.Amadurecer talvez seja descobrir que sofrer algumas perdas é inevitável, mas que não precisamos nos agarrar à dor para justificar nossa existência.

3 comentários:

  1. Amei, simplesmente. Nunca mais tinha lido um texto de Martha Medeiros. Pode ser trivial demais, mas é verdadeiro demais. Brigada, viu, Rê, por dividir comigo mais essa experiência de leitura.

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  2. Confesso que tou meio tonta com tantos textos bacanas neste blog.
    O de Mariana, nossa, pude sentir toda a tranquilidade em volta dela, uma satisfação plena. Além disso, o texto teve um efeito engraçado em mim. Como trabalho sempre em locais absolutamente fechados, sem uma janelinha sequer, sem saber se é dia ou noite, à medida em que fui lendo o que ela escrevera, fui sentindo um alívio, era como se eu estivesse em todos os locais abertos descritos, todo o verde, o rio, uma liberdade imensa. Mariana, vc pode escrever um manual para claustrofóbicos!
    Pra terminar, Martha Medeiros.
    Noite ganha!!!
    Beijos!

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  3. hahahhahaha.. esta do manual foi boa!..
    eh verdade, lindos textos aqui. :)
    beijos!

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